OS DOIS MERCADOS:
Uma análise da presença de segmentação de gênero e do impacto da maternidade na determinação dos salários
Metodologia
O mapeamento dos dados visou verificar a presença de segmentação de gêneros no mercado de trabalho brasileiro e analisar como a maternidade afeta o engajamento e os ganhos das mulheres ao longo do tempo. Para tal, foi empregado os métodos econométricos de estimação por Ordinary Least Squares (OLS) e Propensity Score Match (PSM). Para construir o modelo foram utilizados dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/IBGE) do ano de 2015 e 2014.
Um dos argumentos que sustenta a disparidade do salário é a existência de um fator discriminatório dos agentes econômicos, impondo um salário diferente para indivíduos com a mesma produtividade marginal. A dualidade do mercado de trabalho pode ser definida, de modo geral, como um cenário no qual trabalhadores igualmente qualificados recebem salários distintos apenas por pertencerem a um gênero diferente. Para a analise da existência de dualidade no mercado de trabalho brasileiro, o método de pesquisa adotado buscou avaliar em que medida são observadas diferenças salariais entre trabalhadores que não são explicadas apenas por diferenças nos seus atributos produtivos.
Outro argumento abordado é o das mulheres terem mais responsabilidades maternas do que os homens, ocasionando um menor engajamento da mãe no mercado de trabalho. Ou seja, na hora de ponderar a escolha ótima entre lazer e trabalho, há uma escolha interna do individuo mulher que pondera mais para a utilidade em forma de lazer, resultando em uma oferta de mão-de-obra reduzida.
Por meio desta abordagem, indivíduo obtém satisfação com o consumo de bens (C) e de lazer (L). O lazer neste modelo inclui todas as atividades realizadas fora do mercado de trabalho, como atividades relacionadas com os afazeres domésticos e familiares. A oferta de tempo (H) destinado ao mercado de trabalho se dá no ponto de maior utilidade individual entre eles. O tempo total (T) é a combinação entre horas trabalhadas e a quantidade de lazer T = H + L. A maximização da utilidade do trabalhador está sujeita a uma restrição orçamentária que depende da renda do não trabalho (V), do número de horas trabalhadas (h) e da taxa de salário-hora (w). Este processo pode ser definido pela equação a seguir:
A razão das condições de primeira ordem do consumo e do lazer localiza a taxa marginal de substituição entre os bens. O número de horas trabalhadas e a quantidade de bens que é consumida se dá no ponto de tangência entre a curva de indiferença e a restrição do problema. Desta forma, a diferença salarial não estaria associada a uma falha de mercado e sim nas diferentes inclinações da curva de utilidade entre os homens e as mulheres.
Para a abordagem empírica do impacto da maternidade foram criados grupos de controle que permitiram observar o comportamento das mulheres fora do período de maternidade e compará-las com o desempenho das mães no mercado de trabalho. Desta forma, por ambas pertencerem ao mesmo grupo de discriminação e serem afetadas de maneira similar pelos os fatores socioculturais, como a elevada carga de afazeres domésticos, ao comparar as mulheres que tiveram filhos com as mulheres que não tiveram filhos, a diferença observada seria, então, o impacto da maternidade sobre a oferta de trabalho da mãe e, consequentemente, sobre seu salário.
Sendo i igual ao grupo referente a faixa etária da criança e X uma matriz de características dos indivíduos da amostra, sendo elas: idade, idade ao quadrado, anos de estudos, anos de estudo ao quadrado, sul, sudeste, norte, nordeste, negro, branco, pardo, amarelo, vive com o cônjuge, experiência potencial e logaritmo natural da renda da casa, quando Y for igual a quantidade de horas ofertadas, ou quantidade de horas ofertadas, quando Y for igual a logaritmo natural da renda, e $\beta $ o parâmetro de inclinação determinado pelo modelo.
Resultados
Assumindo a ausência da interferência de fatores de segmentação e de discriminação no processo de determinação de salários dos empregadores, a remuneração dos fatores de produção seria genuinamente dependente das características produtivas ou das preferências dos indivíduos. Entretanto, mesmo quando comparado o comportamento dos salários na classe empresarial foi constatado o aparecimento da disparidade salarial entre gêneros.
Sendo assim, o argumento de segmentação estrutural de mercado ou diferenciação por parte dos empregadores se enfraqueceu, ressaltando que há fatores dominantes na determinação dos salários para além da discriminação da firma contratante. O método de estimação por escore de propensão adotado evidenciou qual a magnitude dos diferençais salariais entre trabalhadores e empregadores que não são explicadas apenas por diferenças nos seus atributos produtivos observáveis. O intuito desta metodologia foi investigar a desigualdade salarial estrutural, tanto entre gêneros, como também entre as mulheres com e sem filhos.
A distinção entre fatores ligados a segmentação de mercado e fatores ligados a preferências individuais é fundamental para determinar qual a melhor estratégia para reduzir o gap salarial entre homens e mulheres. Pelos resultados obtidos, a persistência da disparidade salarial entre os gêneros na classe empresarial seria, então, oriunda de outros fatores, como os fatores intrínsecos abordados na teoria neoclássica, determinados pelo processo de maximização da utilidade dos indivíduos. Desta forma, a presença da dualidade de mercado provocado por um agente discriminador na hora da determinação do salário se enfraquece e não aparenta ser capaz de explicar as causas da disparidade salarial entre homens e mulheres.
Os resultado apontam que o efeito da maternidade reduz a quantidade de horas ofertadas pela mãe, no curto e no médio prazo. Apesar da baixa magnitude na redução da oferta de mão de obra, seja no curto ou médio prazo, a maternidade demonstrou ser um fator relevante na determinação final dos salários das mulheres. Observa-se, também, que no longo prazo, a diferença do efeito médio de tratamento nos tratados não é significante a 5\%. Isto pode significar que as mães, no longo prazo, se reconstroem no mercado de trabalho.
Os resultados indicam a não paridade dos salários entre os grupos no curto, médio e no longo prazo. A disparidade salarial entre as mulheres que tiveram filhos contra as mulheres que não tiveram filhos se sobressai e cresce no longo prazo. Isto é, a maternidade tem efeitos duradouros que modificam o salário da mulher não apenas no período que a mãe escolhe ofertar menos horas de trabalho, como também, posteriormente, quando ela retorna ao mesmo número de horas ofertadas no mercado de trabalho, seja na amostra completa, seja na subamostra de mulheres empregadoras.
Entretanto, remanesce a questão da causalidade. As mães que ofertam menos horas de trabalho durante a semana estariam menos engajadas no mercado de trabalho por causa dos filhos ou elas seriam naturalmente mais dispostas a se dedicarem menos no trabalho por suas ambições à família? Pelos resultados, a mãe parte de um salário inicialmente maior, na subamostra de mulheres empregadoras, e ao longo dos anos sofre uma redução salarial pelos efeitos da maternidade. No longo prazo, os efeitos desta redução está em torno de -10\% da renda na amostra completa e de -28\% na subamostra de empregadoras.
Está relação ilumina o argumento da diferença salarial natural entre os homens e mulheres e orienta o foco das políticas públicas para a contenção das desigualdades salariais entre os gêneros. A maternidade demonstrou ser um fator mais relevante para da determinação do engajamento e dos salários, do que a presença de um agente discriminador na ponta. Estes resultados podem indicar que políticas de apoio às mães, como creches e uma licença paternidade mais igualitária podem amenizar o efeito negativo da disparidade salarial entre gêneros.